domingo, 27 de outubro de 2013

intertextualidade: Lucrecio e Augusto dos Anjos


A característica mais notável das poesias de Augusto dos Anjos é seu conteúdo científico e filosófico.
Observa-se em sua poesia a incorporação das ideias, principalmente, de dois dos principais divulgadores do evolucionismo no final do século 19.
Se voltarmos a Roma Antiga, essa característica de cantar em versos uma filosofia materialista nos permite
estabelecer, sob alguns aspectos, um paralelo entre Lucrécio e Augusto dos Anjos.
Lucrécio convida a desfrutar da vida, sem preocupação com a imortalidade que não existe; para Augusto dos Anjos só há desgosto em vida, que se há de encerrar em podridão.
Assim como Lucrécio, Augusto dos Anjos também utiliza muito em suas obras os nomes dos elementos, assim como o carbono, e também fala sobre a morte e outros. Ele traz traços de Lucrécio por relatar em suas obras esse tipo de ciência e assim como Lucrécio também não acreditava que o universo foi criado por Deus e sim por átomos, então há um encontro dos dois ao redor da ciência morte. Observe alguns poemas de Augusto dos Anjos.
 
 

Ao luar

 
Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha tactil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

 
Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!


Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...


Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!
 

 


 Psicologia de um vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.


Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.


Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,


Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Plenilunio


Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvíssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
Mística essência desse alampadário.


E a lua é como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.


Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.


Ah! como a branca e merencórea lua,
Também envolta num sudário — a Dor,
Minh'alma triste pelos céus flutua!

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